domingo, 27 de janeiro de 2013

O grilo e a morte

   Comecei a perceber depois de um certo tempo em que a presença deles já era constante em minha casa. Mas essa presença tinha um fim, e esse fim não tinha a ver só com a minha casa, tinha a ver comigo. Grilos começaram a fazer parte da minha vida... e eu de suas mortes.
   É sempre no mesmo quarto. O quarto em que guardo minhas roupas, e só, duas camas vazias, as roupas e os grilos, o grilo, cada um tinha sua vez. O primeiro que notei era verde, estava parado em uma das paredes e eu o notei com o canto do olho enquanto passava pelo quarto. Mais tarde, notei com o canto do outro olho o grilo em outra parede... imóvel... um dia... no outro... e no outro... Eu e o grilo verde. Ele não saía do quarto, eu acordava de manhã, lá estava ele, quando voltava à tarde, ele ainda lá, mais tarde à noite, continuava lá. Isso se foi pelo tempo de duas semanas mais ou menos, e ao final desse tempo o grilo morreu.
  Poucos dias depois, ao me trocar no quarto vazio, vejo um grilo marrom parado no chão. Outro grilo. E assim se foi do mesmo jeito, de manhã, à tarde, à noite, o grilo marrom imóvel no chão por uma, quase duas semanas. Depois desse tempo ele morreu.
  E o mesmo se foi por muito tempo. Ele vinha, ficava, e ia. Um de cada vez, sempre no mesmo quarto, sempre do mesmo jeito. Esses grilos vinham para morrer. Morrer em minha casa, morrer ao meu lado. Era só eu, a casa, e os grilos. Os grilos que vinham buscar minha companhia na hora da morte. Que como nós, não querem morrer sozinhos. A morte é a mesma para todos os seres. E a solidão também. Muitos temem a morte e temem a solidão. E foram os grilos e as lagartixas que vieram me mostrar que meus maiores medos, são os que eu tenho que enfrentar. 
  Continuei e continuo com os grilos ao meu lado em seus últimos dias. Eu sozinha, andando pelos cômodos vazios da casa, passando pelos cômodos vazios da alma, eu sozinha, sou a última companhia que um ser tão pequenino buscou. 
  O grilo, um vulto no quarto de visitas, sempre vazio. Eu, um vulto pelos cômodos da casa, sempre vazia. A casa sempre vazia. Eu, sempre vazia. 
  Desejo que minha companhia possa ter siso suficiente para o que eles buscavam em mim. E desejo que, quando morrer, assim como o grilo, tenha alguém ao meu lado.

4 comentários:

  1. Solidão é algo que comove até mesmo os pequenos animais. Belíssimo texto, Julia.

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  2. - Nossa , adorei ! Parabens pelo texto , achei extremamente lindo !

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  3. Também quero morrer com alguém ao meu lado e esse alguém poder dizer a outro que eu deixei saudades.

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