Tarde da noite me sento à mesa com uma xícara de chá de camomila à minha frente e alguns biscoitinhos de água e sal. O chá sem açúcar. Sem adoçante também. Sem qualquer tipo de doce. Tarde da noite não é hora de doces, é hora de esperar por Hipnos, e por Morpheus. Deste talvez, não nos lembremos pela manhã. Mas dizem que ele sempre vem. Os biscoitos também sem doce nenhum. A hora é seca, escura, vazia. Não é hora para doces. Os biscoitos, se fossem de polvilho, lembrariam a minha infância na casa da avó. E o chá, se fosse de hortelã, lembraria mais ainda. Beiraria a nostalgia. Mas essa hora não é hora para nostalgias. É hora para silêncio. Entretanto o silêncio nunca é pleno. O silêncio é rompido pelo barulho da mastigação, da boca sorvendo o chá, de cães latindo ao longe e de fantasmas no telhado. Mas esses sons pouco se percebe perto da canção de um grilo, não se sabe se próximo ou se distante, com grande capacidade sonora para penetrar nos ouvidos dos insones.
Sozinha na hora da noite, é só isso que se percebe. A xícara de chá e o grilo cantante.
Essa hora da noite é a hora de dormir o sono dos justos. E como não o estou dormindo, conclui-se que de sono pouco sabemos. Não é o sono dos justos que dormimos. Dormimos outros sonos, que não esse. O do justos, deve ser o mais dífícil de se alcançar. Nunca somos plenamente justos. Se o somos com os outros, não o somos com nós mesmos. Se o somos com nós mesmos, não o somos com o mundo. Se o somos com o mundo, não o somos com os outros. Sono de justo é para espírito evoluído, iluminado. Eu só almejo um sono tranquilo, que me faça esquecer das pendências do trabalho, do medo do futuro e das dores do coração. Um sono contínuo que não se interrompa na madrugada. Esse é o pior horário para se ter pensamentos irritantes. Sempre que desperto sem motivo claro no meio da noite, acordo com alguma música insuportável na cabeça, ou com o texto de uma propaganda de seguros. Às vezes me lembro de filmes de terror e fico com medo. Às vezes me lembro de coisas tristes e choro. E se acordamos no meio da noite, na manhã seguinte levantamos cansados, como se um trator tivesse passado sobre nós. E quando não é o despertar fora de hora, são os pesadelos. Pesadelos parecem durar mais que sonhos bons. Ter pesadelo cansa.
Penso que as pessoas são infelizes porque sempre almejam coisas grandiosas. Muito dinheiro, viagens infinitas, amores perfeitos, corpos impossíveis. Acho que quando fizermos os nossos desejos no fim do ano, ou no nó da fitinha da santa, ou ao ver uma estrela cadente, seria melhor desejar pequenas coisas necessárias à felicidade e fáceis de conquistar.
Tarde da noite, com a xícara vazia e o grilo rouco, abro a janela e olho para o céu. Quem sabe não vejo uma estrelinha que realize o meu desejo. O meu desejo é do meu tamanho. O meu desejo é pequenininho. Desejo que, ao deitar em minha cama, possa eu ter um sono tranquilo e constante.
Amém.
Esses grilos realmente são inspiradores, Júlia. =D
ResponderExcluiros grilos, as lagartixas, os cachorros... devia fazer um estágio num zoológico né PIB?
ResponderExcluirA caneca, a Júlia... engraçado que sempre que vejo uma caneca, lembro-me de você. Lindo texto, amiga! <3
ResponderExcluirLindo texto. Ouvir grilos me da sono, kkkk, parabéns
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