quarta-feira, 14 de novembro de 2012

ESPERANDO MORPHEUS

  Na flor dos meus vinte e pouco anos, quando eu ainda podia ter a regalia de varar as noites lendo e às vezes sofrer um pouquinho de insônia... Era energia demais! Quem me dera conseguir ler mais de duas páginas (ou seriam dois parágrafos?) depois das 21:30...



                                                    Esperando Morpheus

            É entorpecente... A brancura do papel mais me distancia dele do que aproxima. Deveria largar a tinta e contar. Talvez a brancura da lã dos que pulam seja melhor que o alvo do papel. Alvo. Sou um alvo fácil que ainda não foi encontrado. E clamo para que esse encontro seja breve. É só um toque; um toque e quando eu abrir os olhos de novo já será dia.


            Você não me ouve? Por que você não vem? Será preciso que eu lhe chame em grego? Será preciso ser grego? Talvez eu esteja sendo um pouco egoísta. O mundo tem quantos bilhões de habitantes? Imagine um para visitar quase metade desses habitantes em um curto espaço de tempo. Devo ser mais paciente, todos nós devemos ser pacientes e refletir ouvindo o tic-tac do relógio... Espera, não tenho relógio que faz tic-tac! É a modernidade. Hoje os relógios não fazem tic-tac, na verdade eles tocam qualquer música que quisermos para nos avisar de compromissos a qualquer hora do dia. É estranho ter uma máquina nos avisando de nossos compromissos e nos acordando de manhã. É melhor acordar com a luz do sol batendo em seu rosto, ou com seu irmão beliscando o seu pé, ou com seu amor lhe dando um beijo na testa ou... ou acordar porque não se agüenta mais dormir. Mas está tudo trocado, não é? Nós acordamos quando temos sono, os relógios não são mais relógios, são telefones, nós pensamos quando devemos sentir, sentimos quando devemos pensar e não somos mais pessoas, somos números.
            Ah! Cachorros latindo. Isso me faz lembrar que não estou sozinha na noite. Eu não gosto da solidão da noite. Não que não goste da noite, eu disse que não gosto da solidão da noite. Por isso prefiro dormir. Também não gosto de solidão nenhuma. Nenhuma. Quer dizer, gosto de uma, a do banheiro. Não quero ninguém olhando pra mim no banheiro.
            Dizem que cada cor nos induz a algo. O alaranjado abre o apetite, o amarelo aguça o raciocínio, o preto seduz... Qual é a cor preferida dele? Eu tenho duas, verde e roxo, em qualquer tom, menos em dó sustenido. Mas também gosto muito do preto, que dizem que não é cor. Mas o que desbanca todas é uma combinação: azul e verde. Minha boca fica salivante quando vejo essas duas cores juntas. Sim, então o céu e a mata contrastando no horizonte, pra mim, é o ápice. E sim, eu gosto da bandeira do Brasil. É, que fique claro, eu fisiologicamente babo. Também babo por outras coisas, mas não quero dizer. Só o azul e o verde basta.
            Acho os carros engraçados. São caixas ambulantes com gente dentro. Eu não gosto de velocidade, só de vez em quando. Me dá frio no estômago. Eu não gosto de frio no estômago, gosto de frio na espinha. O frio no estômago sai pela boca, o frio na espinha sai de cabeça pra baixo.
            Agora eu tenho o meu deus protetor mais próximo a mim. Eu não acredito em deuses, mas que eles existem, existem. É um deus egípcio, Rá, o deus do sol. Ele me protege. Deve ser por isso que eu gosto mais do dia. Eu sempre tive uma coisa com o Egito, não vou morrer sem antes ir pra lá. Então agora Rá me olha de perto, bem perto. É porque eu o trouxe pra perto de mim. Já que eu não moro no Egito, eu o chamei para morar em mim.
            E se houver  alguma rivalidade entre gregos e egípcios? Nunca ouvi falar, mas, se houver? Não sei. E se houver? Se houver... Oh não! Estarei fadada a esperar! 

Nenhum comentário:

Postar um comentário